Fundo Vale apoia a iniciativa do pirarucu e impulsiona projeto que transforma sociobiodiversidade em oportunidade para comunidades amazônicas

Muito antes de se tornar tendência global, a bioeconomia já era uma realidade viva na Amazônia. Baseada no uso sustentável dos recursos naturais, essa prática milenar sustentou comunidades tradicionais, moldou culturas locais e ainda hoje representa uma alternativa promissora para o desenvolvimento da região sem devastação. Muitas iniciativas têm se tornado estratégicas para gerar valor, renda, inclusão e, no caso de mulheres, empoderamento feminino.
É o que está acontecendo com mulheres da comunidade do Xibauázinho, localizada no território do Médio Juruá, no município de Carauari. Acostumadas no manejo de várias culturas tradicionais, como o açaí, castanha-do-pará, buriti, entre outras, essas mulheres estão ganhando novas perspectivas transformando escamas de pirarucu, um dos maiores peixes de água doce do mundo, em biojoias. O que era descartado do peixe está sendo reaproveitado e ressignificado na forma de anéis, cordões, pulseiras, e outros artefatos.
Como resultado de uma oficina de capacitação realizada em junho deste ano, 45 mulheres da região se tornaram artesãs e, atualmente, fazem exposições, participam de feiras locais e são integrantes de dois polos de produção de biojoias. E para quem se interessar, aceitam encomendas.
A iniciativa do pirarucu que recebe o apoio do Fundo Vale, impulsiona a aposta na economia circular e sociobiodiversidade, através do projeto coordenado pela Associação dos Produtores Rurais de Carauari (ASPROC), através do projeto Rio Sustentável e a Associação das Mulheres Agroextrativistas do Médio Juruá (ASMAMJ). A atividade integra o projeto Floresta+ Amazônia como caminho para o empoderamento feminino e a geração de renda, proporcionada pela natureza e pela responsabilidade social e ambiental.
Manejo sustentável do pirarucu
As escamas utilizadas pelas artesãs são provenientes do pirarucu manejado de forma sustentável pela marca coletiva Gosto da Amazônia, resultado direto do trabalho coordenado pela ASPROC em lagos do território do Médio Juruá, além de outras dez áreas de manejo espalhadas pela Amazônia. Esse modelo de produção respeita o ciclo natural do peixe, contribui para a conservação da espécie e gera benefícios diretos para as comunidades locais.
Apoiado pelo Sustenta.Bio, programa criado pelo ICMBio e pelo Fundo Vale, o arranjo produtivo coordenado pela ASPROC é reconhecido nacional e internacionalmente como exemplo de manejo sustentável de recursos pesqueiros. A iniciativa contribui com melhorias em infraestrutura, logística, governança e abertura de mercados, ampliando as oportunidades de geração de renda a partir da sociobiodiversidade. Dessa forma, o manejo do pirarucu, que já garante alimento e renda para centenas de famílias extrativistas, conecta-se a um movimento mais amplo de valorização da bioeconomia amazônica, transformando também resíduos como escamas em arte e beleza.
A oficina
Além de incentivar o empoderamento feminino e a geração de renda, a oficina é um exemplo concreto de como os saberes tradicionais e a sustentabilidade podem caminhar juntos para promover inclusão social e valorização dos recursos amazônicos. Na opinião da artesã Aline Gouveia, coordenadora do projeto de biojoias, a oficina é mais do que um curso de artesanato. É uma iniciativa poderosa de economia circular, sustentabilidade social e empoderamento feminino, pois transforma as escamas do pirarucu, que antes eram descartadas, em arte, emprego e renda.
“O que mais me emociona é perceber como esse aprendizado resgata a autoconfiança das mulheres. O brilho nos olhos, o sorriso de satisfação e o orgulho ao exibir a peça pronta mostram a descoberta de novos talentos e a reafirmação do valor de cada uma. Para elas, não é apenas um acessório bonito, mas a materialização de um sonho e de novas oportunidades de vida”, enfatiza.

As “Iaras do Amazonas”, como são chamadas as artesãs do Médio Juruá, já estão colhendo frutos com suas peças. Depois da oficina, realizada em junho deste ano, foram criados dois polos de produção de biojoias: um na comunidade do Xibauá e outro na comunidade Vila Ramalho, coordenado pelo grupo de jovens locais. As mulheres da Associação das Mulheres Agroextrativistas do Médio Juruá (ASMAMJ) estão vendendo as biojoias em feiras locais e por meio de encomendas. “Tiramos essas mulheres da situação de comodismo gerada pela dificuldade de acesso da região e estamos promovendo um movimento de empoderamento”, reforça Aline, que criou um grupo de WhatsApp para continuar alimentando a capacitação das alunas, por meio de tutoriais.
A produção de biojoias a partir de escamas de peixe tem se consolidado como alternativa de renda e valorização cultural na Amazônia. A artesã Kelly Figueiredo é um dos exemplos de como essa prática alia sustentabilidade, geração de trabalho e empoderamento feminino.
“Aprender a fazer biojoias de escama de peixe foi um desafio e, ao mesmo tempo, uma grande descoberta. No começo, senti insegurança, porque tudo era diferente do que eu já estava acostumada. Cada detalhe parecia exigir mais atenção, paciência e dedicação. Aos poucos, fui entendendo que errar fazia parte do processo e que cada tentativa me aproximava mais da prática correta. Com o tempo, percebi que não estava apenas adquirindo uma habilidade técnica, mas também conquistando valores importantes, além de uma nova fonte de renda. Hoje, essa produção de biojoias já me garante uma renda extra — a Asmamj compra minhas peças. Ainda não é minha renda principal, mas quem sabe daqui a alguns anos?”.
A artesã Elionilda Oliveira também já produz e vende suas biojoias, garantindo renda extra para a família e inspirando outras mulheres da comunidade a seguirem o mesmo caminho. “Aprender a fazer biojoias foi uma experiência muito gratificante e inspiradora. Desde a oficina, senti que esse ofício fazia parte de mim. Logo que voltei para a comunidade, comecei a colocar em prática o que aprendi e já produzi colares, brincos e outras peças. Essa atividade me trouxe empoderamento e uma nova visão. Quero montar um grupo de mulheres para transformar nossa produção em um polo de biojoias, com brincos, colares, luminárias e cortinas feitos de escamas de peixe. Já vendi algumas peças e também recebi encomendas, inclusive da Associação das Mulheres do Médio Juruá (Asmanj). Isso tem gerado renda extra para minha família e me motivado ainda mais. Também é gratificante saber que estou incentivando outras mulheres a participarem desse projeto, que reaproveita materiais que antes eram descartados. Apesar da dificuldade de acesso e do alto custo dos insumos, seguimos firmes. Já penso em novos modelos e até sonho com eles, para depois transformar em produtos reais. Me sinto feliz, empoderada e muito agradecida à ASPROC pelo apoio”.
As escamas do pirarucu possuem características únicas como brilho, rigidez e tamanho, que as tornam ideais para a criação de biojoias e peças decorativas. Ao transformar esse resíduo em arte, o projeto estimula práticas sustentáveis e promove a geração de renda em comunidades tradicionais.