Estudo da ICC Brasil, com apoio do Fundo Vale, detalha como a Bioeconomia do Conhecimento pode adicionar até US$ 140 bilhões à economia brasileira até 2032 e reposicionar o país na fronteira da inovação em biodiversidade

A Bioeconomia do Conhecimento é definida como um segmento avançado da bioeconomia tradicional, que integra ciência, tecnologia e inovação (CT&I) à sabedoria dos povos tradicionais, transformando ativos biológicos em produtos e serviços de alto valor agregado. Impulsionada por uma tríplice revolução – biológica (biotecnologia, edição genética), digital (inteligência artificial, automação) e sustentável (circularidade, rastreabilidade) –, ela eleva a complexidade produtiva do Brasil, tornando-o fornecedor global de soluções de fronteira, em vez de mero exportador de recursos naturais.
O estudo “O Potencial do Brasil na Bioeconomia do Conhecimento”, elaborado pela Câmara de Comércio Internacional (ICC Brasil), com apoio técnico da Systemiq e Emerge e patrocínio do Fundo Vale, revela que o país pode adicionar entre US$ 100 e 140 bilhões à economia até 2032, por meio de cinco setores estratégicos: alimentos, saúde, materiais, cosméticos e agronegócio. A pesquisa reuniu mais de 100 especialistas e empresas para identificar gargalos, mapear ativos científicos e tecnológicos e propor uma agenda de políticas públicas, instrumentos financeiros e mecanismos de mercado capazes de destravar o potencial bioeconômico brasileiro, em especial na Amazônia.
Na avaliação de Andrew Wilson, diretor global da ICC, a principal contribuição do relatório é reposicionar a agenda climática como vetor de competitividade, e não de custo. Para ele, o estudo brasileiro oferece uma resposta concreta à crescente pressão econômica dos eventos extremos, ao quantificar os impactos e, ao mesmo tempo, desenhar caminhos de crescimento baseados em inovação biotecnológica, digitalização e novos modelos de negócio. Wilson afirmou que a publicação se torna uma referência sobre como estruturar, em um único arcabouço, tanto o custo da inação quanto o potencial de ganhos associados a uma transição econômica de baixo carbono ancorada na bioeconomia.
A análise técnica conduzida por ICC Brasil estrutura a Bioeconomia do Conhecimento três movimentos centrais: criar cadeias a partir da biodiversidade ainda pouco estudada; agregar valor às cadeias já consolidadas, substituindo insumos fósseis por soluções biológicas; e escalar biotecnologias disruptivas – como biologia sintética, fermentação de precisão e edição genética – conectadas à infraestrutura científica existente no país (Embrapa, Fiocruz, universidades e institutos regionais). Os autores mostram que, embora o Brasil detenha a maior biodiversidade do planeta, a Amazônia é apenas o terceiro bioma mais estudado em termos de genômica e caracterização molecular, atrás de Cerrado e Mata Atlântica, e que o país permanece praticamente irrelevante em patentes associadas à bioeconomia.
Nesse contexto, a diretora do Fundo Vale, Patrícia Daros, reforçou que os achados do estudo convergem com a trajetória da organização na região.
“Temos olhado para a Amazônia e para a bioeconomia há 16 anos. Os desafios persistem: ciência e tecnologia, inovação e empreendedorismo, oferta de capital, desenvolvimento de mercados e serviços habilitantes, além de marcos regulatórios. Para avançarmos, apoiamos o ecossistema com impacto coletivo, como a criação da primeira aceleradora de negócios na região, e agendas estruturantes em parceria com governos e ministérios. Nos aproximamos do Instituto Tecnológico Vale (ITV), em Belém, para estudar cadeias produtivas como cacau, açaí e pirarucu, sequenciando o genoma de 80 espécies, já que ainda desconhecemos grande parte da biodiversidade amazônica. É essencial atrair diferentes tipos de capital e engajar grandes empresas em mecanismos financeiros que impulsionem essa estratégia”, comentou.
Rota para a Implementação
O painel também contou com a participação de Carolina Carregaro (Nestlé), Angela Pinatti (Natura) e Luciana Nicola (Itaú Unibanco), representando diferentes elos da cadeia de valor – da produção de alimentos e insumos naturais ao financiamento de longo prazo. Em comum, os participantes destacaram que o relatório ajuda a organizar um “mapa de rota” para o Brasil, ao explicitar onde estão as lacunas de conhecimento sobre a biodiversidade, os obstáculos para transformar pesquisa em inovação aplicada e os desafios de acesso a capital, especialmente para pequenos produtores, cooperativas e negócios de impacto na Amazônia.
Na leitura de instituições financeiras e empresas, o estudo responde a uma pergunta recorrente: qual é o tamanho da oportunidade e onde ela se materializa primeiro? Ao estimar um potencial adicional de US$ 100 a 140 bilhões em valor econômico e associá-lo a metas numéricas – como ampliar em 10 vezes o mapeamento genético, em 20 vezes o número de startups e em 10 vezes a aplicação de biotecnologia nos setores produtivos até 2032 –, o relatório oferece um roteiro pragmático para orientar investimentos, crédito e políticas industriais.
Como sintetizou Patrícia no encerramento do debate, a mensagem central é de urgência e foco na implementação: “Estamos perdendo tempo. É preciso atrair capital paciente e capital catalítico e garantir que ele chegue rapidamente aonde é necessário; a escala virá com a implementação de políticas públicas, como o Parque da Bioeconomia e Inovação e outras políticas nacionais”.